Educação

 

ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OSs) E GESTÃO DA EDUCAÇÃO EM GOIÁS
Adelmar Santos de Araújo*
As Organizações Sociais (OSs) surgiram no Brasil no final do primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso, com a Lei 9.637 de 15 de maio de 1998. Em seu Art. 1º a referida lei garante: “O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.”
Tais palavras podem levar um leitor desavisado ao perigoso “canto da sereia”, afinal, investimentos no ensino, na pesquisa científica, no desenvolvimento tecnológico, na cultura, na saúde e na preservação do meio ambiente fazem parte do imaginário social do interesse coletivo. Contudo, tais promessas fazem parte de um poderoso arcabouço no qual as empresas privadas se dissimulam de entidades de interesse público, endossado pela própria lei:
“Art. 12. Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão.
§ 1o São assegurados às organizações sociais os créditos previstos no orçamento e as respectivas liberações financeiras, de acordo com o cronograma de desembolso previsto no contrato de gestão.
§ 2o Poderá ser adicionada aos créditos orçamentários destinados ao custeio do contrato de gestão parcela de recursos para compensar desligamento de servidor cedido, desde que haja justificativa expressa da necessidade pela organização social.
§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.”
Fica claro, pois, o repasse do bem público ao domínio privado por meio das OSs. Elas são instituições privadas especializadas para gerir os serviços públicos sem se submeterem aos métodos de transparência de prestação de contas, pois rejeitam, em contrato prévio, fiscalização e auditorias públicas. Seu modelo de gestão caracteriza-se pelo financiamento público para interesses privados.
Em Goiás, o governo estadual militarizou, em julho de 2015, sete escolas da região metropolitana de Goiânia, além de outras tantas em períodos anteriores. A militarização da escola terceiriza, privatiza e exclui: significa reserva de vagas para filhos de militares, cobrança de taxa de matrí-cula, farda de mais de R$500,00, taxa mensal e livros de didáticos comprados pelos próprios pais. Os alunos são humilhados e ameaçados todos os dias e ainda tem que marchar e bater continência no iní¬cio e fim do expediente e no começo de cada aula; a administração do colégio, incluindo a direção, passa a ser feita por PM’s armados que controlam desde a matrícula e disciplina até o material didático. Assim como com a militarização das escolas, a outra frente de privatizar a educação em Goiás se dá pelas OSs .
Apesar do aparecimento legal das OSs no Brasil ser de período recente, elas fazem parte de um contexto mais complexo.
Hoje sofremos forte pressão de uma tendência, baseada no desenvolvimento do capitalismo financeiro internacional, que diz que a vida humana deve ser produtiva tornando, portanto, a sociedade uma grande empresa que integra aqueles que lhe são úteis e descarta os demais. Trata-se da chamada gestão gerencialista . “A gestão gerencialista gera uma rentabilização do humano, e cada indivíduo deve tornar-se um gestionário de sua vida, fixar-se objetivos, avaliar seus desempenhos, tornar seu tempo rentável” .
O processo de globalização apresenta um novo cenário econômico, nem tão novo assim, é verdade. Mas “o fato é que nos deparamos com novos e poderosos cenários que marcam profundamente a sociedade, a educação, o trabalho e toda a atividade humana” . O modelo gerencialista impõe métodos dos mais diversos e cruéis e seguem o curso da globalização, como a intimidação, culpabilidade, desqualificação das pessoas, “esperando assim desencorajar o recurso à justiça” . E, segundo acrescenta o autor, a contradição maior do gerenciamento consiste no seguinte:
“de um lado um discurso que valoriza os recursos humanos, celebra a consideração pelas pessoas e insiste sobre as implicações subjetivas dos trabalhadores para o bom funcionamento da empresa. Do outro, uma incapacidade de levar em conta essa subjetividade quando ela se exprime fora das impostas pela empresa.”
O processo de globalização tende a intensificar a individualização, que por sua vez gera a vulnerabilidade. Assim cria-se um círculo vicioso no qual os trabalhadores predominantemente são levados a sentirem-se culpados por não conseguirem satisfazer as exigências que lhes são impostas. A sensação de impotência cada vez aumenta mais, fica difícil contestar um poder distante, abstrato, inacessível. “Conhecemos raramente o rosto e o nome dos responsáveis pela gestão estratégica” . Mas isso não anula o debate, que permanece aberto, segundo Gaulejac, entre a ideologia humanista, segundo a qual “a vida humana não tem preço” e a ideologia gerencialista, para quem a “saúde tem um custo” .
Para Benno Sander, “o grande desafio que enfrentamos hoje é o de fazer da globalização um instrumento efetivo de desenvolvimento humano sustentável para todos e uma oportunidade de desvendar e desenvolver as numerosas civilizações que enriquecem a humanidade.”
Nessa perspectiva, convida-se a pensar a gestão de modo diferente e com uma preocupação antropológica, segundo a qual é necessária “uma gestão humana dos recursos, mais que uma gestão dos recursos humanos.” Mas isso não se faz sem uma leitura concisa e atenta da realidade, pois as aparências induzem às vezes a “compra de gato por lebre”. O discurso em torno da gestão está a cada dia mais refinado e a sutileza das palavras é capaz de esconder perigosas armadilhas. No âmbito da educação propriamente dita, a preocupação não deve ser diferente.
Segundo Gaulejac, “é sem dúvida no campo da educação que a pressão da ideologia gerencialista é mais evidente e mais inquietante” . O ato de transformar as crianças em clientes do sistema educativo, além de ser um ato criminoso, representa um retrocesso sem precedentes. É mister dizer com Jaeger, “antes de tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade.”
Todavia há um poderoso movimento internacional de atrofia do papel do Estado no formular e no executar políticas públicas. Isto significa que a lógica neoliberal empurra para a privatização muitas das atividades de responsabilidade social do Estado, como previdência social, segurança pública, saúde pública e educação pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, a terceirização já atingiu a administração escolar, contratam-se empresas especializadas para dirigir escolas. “Nessa modalidade de administração escolar, o lucro determina o processo de decisões no interior da escola e o ensino corre o risco de virar comércio” . Para esse Benno Sander, “o início do século 21 é testemunha de uma reedição, com nova roupagem, da lógica econômica do desenvolvimento do pós-guerra, que, na atual sociedade globalizada, gira em torno da ocupação de espaços políticos e militares e da defesa de poderosos interesses econômicos e comerciais, hoje mais evidente do que nunca nas negociações internacionais no âmbito da Organização Internacional do Comércio (OMC) e, neste hemisfério, nas negociações para o estabelecimento da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)” ( p. 131).
Ao estudar as concepções políticas e administrativas que têm influenciado os destinos da educação brasileira, Benno Sander chamou atenção para duas vertentes analíticas e praxeológicas: a gestão produtiva, voltada para o mercado, e a gestão democrática, voltada para a cidadania. O autor sistematizou um quadro histórico que demonstra a transição de uso dos termos conceituais de administração para gestão. Foi a partir do século 19, por ocasião da explosão organizacional estabelecida pela Revolução Industrial que houve a sistematização das práticas de organização e administração, tal como conhecemos no mundo ocidental. As teorias da administração surgiram no início do século 20, tendo por protagonizadores Taylor (1911), nos estados Unidos da América; Fayaol (1916), na França; e Weber (1921), na Alemanha. O objetivo de cada um dos estudiosos mencionados consistia em desenvolver uma teoria geral da administração, com poder de aplicabilidade em qualquer organização humana. Contudo, em muitos aspectos, tais teorias não resistiram ao tempo. Com a teoria gerencial de Taylor a administração empresarial se desenvolve; Fayol concebe a administração industrial e a administração pública de Willoughby (1929) entra no contexto da ciência política. Dessa maneira origina-se o princípio da especificidade no campo da administração; a partir daí, se desenvolveu ao passar dos anos a administração da educação. Benno Sander acrescenta ainda que no âmbito da administração empresarial, à luz da concepção taylorista de management, novos conceitos administrativos foram estabelecidos. Os conceitos de gestão e gerência, “rapidamente invadiram as distintas áreas temáticas da administração. Surgiram, assim, os cargos de gestor e gerente, em substituição ou adição aos de administrador e diretor.” .
Quanto ao Brasil, Benno Sander esclarece que foi somente a partir das décadas de 1920 e 1930 que nasceu a administração educacional como campo profissional de estudo. Nesse contexto de efervescência política e cultural apareceram as primeiras obras especializadas no campo das políticas públicas e da administração do ensino, com destaque para as obras de Anísio Teixeira (1935), Querino Ribeiro (1938, 1978), Carneiro Leão (1939) e Lourenço Filho (1941). Desse período Saviani registra a reforma paulista de 1920, conduzida por Sampaio Dória; a reforma cearense, de 1922, encabeçada por Lourenço Filho; no Paraná, Lysiamaco Ferreira da Costa e Prieto Martinez lideram a reforma em 1923; a reforma de José Augusto iniciada em 1924 no Rio Grande do Norte; na Bahia a reforma é dirigida por Anísio Teixeira, em 1925. A reforma mineira de 1927, realizada por Francisco Campos e Mário Casasanta, abre um novo ciclo de reformas, ocorre a introdução mais sistemática das ideias renovadoras; segue-se a reforma do Distrito federal, liderada por Fernando de Azevedo em 1928; e a reforma de Pernambuco, em 1929, de iniciativa de Carneiro Leão. “Essa leitura histórica revela que ao longo de nossa vida republicana, o termo administração dominou o pensar e o fazer a educação. Atualmente, no entanto, uma série de termos disputam seu espaço semântico, destacando-se os de gestão, gerência e governação. Há duas décadas, o termo gestão era praticamente inexistente na teoria e na prática da educação brasileira. Os primeiros que se aventuraram a utilizá-lo eram encarados com ar de desconfiança, até mesmo de desaprovação. Desconfiança e desaprovação provavelmente porque os primeiros a adotar o termo gestão tenham sido os administradores de empresa, que o traduziram do management anglo-americano, gestion par lês systèmes dos franceses, enfim, da gerência racionalizadora e instrumental dos homens de negócio.”
Embora houvesse uma maior desconfiança inicialmente, ao que se vê, o pensamento administrativo do setor público e da educação brasileira incorporou o termo gestão em seu vocabulário, aparentemente irreversível, tendo em vista a consagração do termo na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e em inúmeros instrumentos do sistema de ensino brasileiro. “Enfim, representa hoje o novo discurso político e administrativo no governo da coisa pública e da educação, tanto estatal como privada” . Contudo, se o termo gestão atingiu tais proporções, resta-nos, ao menos, no âmbito da educação fazer valer o que reza a Carta Magna e a LDB, que atribui “aos educadores e à comunidade os elementos básicos para a conquista de novos espaços para seu exercício no cotidiano da escola” , que se defenda, portanto, uma gestão democrática, verdadeira e de fato.
No entanto, segundo Florestan Fernandes, pensar a gestão democrática da educação exige uma visualização ampliada, em que ocorram duas relações dialéticas:
“1º) a transformação da Educação depende, naturalmente, de uma transformação global e profunda da sociedade; 2º) a própria Educação funciona como um dos fatores de democratização da sociedade e o sentido de qualquer ‘política educacional democrática’ tem em vista determinadas transformações essenciais da sociedade. Em termos de uma visão sintética e totalizadora, diríamos que educação e democratização da sociedade são entidades reais e processos concretos interdependentes – um não se transforma nem pode transformar-se sem o outro; ambos se determinam reciprocamente e qualquer política educacional ‘democrática’ teria de levar em conta essa totalidade histórica dinâmica e criadora.”
Claro, a perspectiva da totalidade histórica de Florestan Fernandes não anula, exclui ou tira a responsabilidade cotidiana dos sujeitos sociais, do contrário não haveria movimento dinâmico e ação criativa. E, isso não parte do macro para o micro, nem do micro para o macro, mas da tensão entre ambos. Nesse jogo é fundamental que se tenha a clareza da necessidade de potencializarem-se as possibilidades através de um paciencioso trabalho no âmbito da educação, dentro e fora da escola. Em termos gerais, trata-se da construção de um movimento que requer ampla participação social.
A questão da soberania e das tomadas de decisões se mostra premente frente aos organismos internacionais que invadem e suprimem interesses locais. No campo da educação, segundo Benno Sander , as organizações internacionais, em parceria com as regionais influenciam o processo de formulação de políticas públicas e orientam o desenvolvimento da educação pelo mundo a fora. Em relação às experiências latino-americanas, tem-se a ação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), da OEA, do BID e do Bird.
O avanço da globalização da economia e da atividade humana, “aumenta o desafio de defender e preservar nossa identidade cultural nos esforços de reforma educacional. Uma das indicações desse desafio é a tentativa de regulamentação, pela Organização internacional do Comércio (OMC), do ensino como produto globalizado. Esse movimento internacional se observa especialmente no ensino superior. Temos diante de nós o desafio de desenvolver uma instituição universitária aberta ao universal, mas subordinada aos interesses e às aspirações locais.”
Ocorre atualmente uma transformação no próprio princípio das relações humanas e sociais promovida pela globalização, que tende a globalizar o capital, a tecnologia, a gestão, a informação, os mercados internos, a violência. Tudo isso concorre para uma transformação do mundo do trabalho, sua organização e na produção de bens e serviços, como se o ideário neoliberal fosse a “única via possível da sociabilidade humana que, logicamente, torna-se cada vez mais utilitarista e individualista, reafirmando o liberalismo conservador” .
Assim, a luta maior consiste em construir “um mundo no qual o bem-estar de todos seria mais precioso do que o ter de cada um. Não mais um mundo a gerenciar, mas um mundo a amar, mundo que estaríamos orgulhosos de transmitir a nossos filhos” .
E, como bem sabemos, isso não se dará privatizando a educação por meio das OSs, ou por quaisquer outras vias.
Notas
* Historiador e doutor em educação. Professor universitário e da rede pública de educação de Goiás e dirigente da Ibrapaz – Irmandade Brasileira Justiça e Paz.
Registre-se aqui a luta contra estes e outros desmandos na educação em Goiás representada pelas ocupações de escolas por estudantes secundaristas, professores e pais de alunos em Goiás (até 17 de dezembro de 2015 eram 21 escolas).
ARAÚJO, A. S. de. Gestão antropológica da educação em tempos de globalização: desafios e possibilidades. In: Revista de Ciências Humanas, Frederico Westphalen, v. 14, n. 22, junho de 2013, p. 55-68.
GAULEJAC, V. de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Tradução: Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Idéias & Idéias, 2007, p. 177-178.
SANDER, B. Políticas públicas e gestão democrática da educação. Brasília: Líber Livro Editora, 2005, p. 18.
GAULEJAC, 2007, p. 197.
Idem, p. 201.
Idem, p. 210.
Idem, p. 232.
SANDER, 2005, p. 73.
GAULEJAC, 2007, p. 145.
Idem, p. 265.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. Tradução: Artur M. Parreira, 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 4.
SANDER, 2005p. 129-130.
Idem, p. 131.
Idem, p. 120-121.
Idem, p. 122.
Cf. SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil, 2007, p. 177, “as primeiras décadas do século XX caracterizam-se pelo debate das idéias liberais sobre cuja base se advogou a extensão universal, por meio do Estado, do processo de escolarização considerado o grande instrumento de participação política. É, pois, a idéia central da vertente leiga da concepção tradicional, isto é, a transformação, pela escola, dos indivíduos ignorantes em cidadãos esclarecidos”.
Idem, p. 175-176.
SANDER, 2005, p. 123 – 124.
Idem, p. 124.
Idem, p. 133.
FERNANDES, Florestan. O desafio educacional. São Paulo: Cortez, 1989, p. 13.
SANDER, 2005, p. 78.
Idem p. 86.
FERREIRA, Naura Syria Carapeto (Org.). A gestão da educação na sociedade mundializada. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 11.
GAULEJAC, 2007, p. 314.

 

Oito materiais para entender Paulo Freire

No mês do nascimento do educador, o Instituto Paulo Freire selecionou, a pedido do Centro de Referências, textos, áudios e vídeos sobre o pernambucano

Por Dafne Melo do, Centro de Referências em Educação Interal

Dia 19 de setembro de 1921, nascia em Recife (PE) Paulo Freire, patrono da educação brasileira e um dos pedagogos mais prestigiados do mundo.

Apesar do reconhecimento, a vasta obra de Freire ainda é pouco estudada no Brasil. Na data de seu aniversário, o Instituto Paulo Freire – a pedido do Centro de Referências em Educação Integral– selecionou, a partir de seu Acervo, alguns materiais que permitem entrar em contato com a obra do educador. Confira abaixo a seleção de materiais, todos disponíveis online.

 

Saiba +Paulo Freire em seu devido lugar

1. “Paulo Freire e todos nós: algumas lembranças sobre sua vida e seu pensamento”, Carlos Rodrigues Brandão.

Nesse artigo, que leva o subtítulo “Lembranças sobre sua vida e seu pensamento”, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos Rodrigues Brandão, faz um relato pessoal e afetivo do educador, traçando um perfil de sua personalidade e abordando aspectos importantes de sua obra, como a ideia da consciência humana como uma construção e a centralidade do diálogo em seu método pedagógico.

2. ”Freire: tudo sobre o homem e o educador“, Maria José Ferreira. 

Nesse pequeno texto, Maria José faz uma breve resenha do livro Convite à leitura de Paulo Freire, de Moacir Gadotti, um dos grandes parceiros de Freire durante a vida. “Pelos 15 anos de convivência, e possivelmente pela amizade pessoal que os une, temos no livro acima um dos mais completos sobre Paulo Freire”, escreve.

3. O Método Paulo Freire e as contribuições político-pedagógicas para a educação brasileira, Margareth Neves Desmarias. 

A monografia se dedica a analisar as contribuições político-pedagógicas do pernambucano para a educação brasileira, destacando o Método Paulo Freire. O texto descreve suas propostas, traçando as bases nas quais se assentam. A autora também salienta o aspecto revolucionário da concepção metodológica proposta por ele, posto que institui uma nova relação entre educador e educando.

4. Educação e conscientização, Paulo Freire. 

Trata-se do capítulo IV da obra Educação como prática da liberdade, de 1967. Nele, o autor fundamenta historicamente sua concepção de educação, vista sempre em uma relação indissociável da conscientização política. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem envolve a transformação de homens e mulheres em sujeitos de transformação social. As pessoas devem saber ler não apenas letras, mas ler o mundo, a partir de uma perspectiva crítica e autônoma.

5. Paulo Freire: uma biobibliografia, Moacir Gadotti (organização).

Essa obra reúne diversos estudiosos da obra do educador, bem como dezenas de pessoas que conviveram com ele. A característica do livro é buscar relacionar sua biografia com sua bibliografia, ou seja, descrever as imbricações entre o que Freire escrevia e o que fazia: entre teoria e práxis. Extratos da obra também estão disponíveis em formato audiolivro.

6. Pedagogia do Oprimido (audiolivro), Paulo Freire.

Uma das obras mais famosas e traduzidas do educador está disponível no Acervo em formato de audiolivro, lido pelo seu filho, Lutgardes Costa Freire. O livro foi escrito no Chile, em 1968, quando Freire estava no exílio, durante a Ditadura Militar brasileira. No Brasil, foi lançado apenas 6 anos depois. O trabalho é fruto das reflexões e da prática de Freire, a partir de sua experiência com a alfabetização de adultos. O educador escreve sobre a concepção “bancária” da educação como um instrumento da opressão e propõe uma ruptura a partir de um novo modelo, pautado por uma educação conscientizadora e libertadora. Os áudios podem ser baixados separadamente e o livro, inteiro, em formato mp3, aqui.

7. Paulo Freire Contemporâneo, Toni Venturi.

O documentário, feito para a TV Escola, é assinado pelo cineasta Toni Ventura, que dirigiu filmes como Cabra CegaDia de Festa e Latitude Zero.  Em 50 minutos, somos apresentados às ideias, vida e obra do educador pernambucano, por meio de depoimentos de seus familiares, amigos e estudiosos. O filme aborda a perseguição a Freire e ao seu método, no período da ditadura militar, e também resgata experiências contemporâneas herdeiras do pedagogo.

8. Educar para Transformar, Tânia Quaresma.

O vídeo-documentário percorre os cenários urbano e rural, mediante várias linguagens, trazendo a vida e a obrado pedagogo. Usando linguagens como o rap, hip-hop, grafite e cordel, o vídeo reúne ainda depoimentos de familiares, amigos e estudiosos, que ajudam a construir um panorama sobre a história de Paulo Freire, registrando e divulgando um legado expressivo de nossa cultura. O vídeo faz parte de um conjunto de ações do Projeto Memória 2005.

 

 

 

 


Paulo Freire e a Educação Libertadora

Fonte: Banco de Imagens

Autor: Valter Machado Fonseca*

Um modelo para a construção de uma nova escola

Para se falar de Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida, acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia, a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso, igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas, dos “demitidos da vida”, dos “esfarrapados do mundo”.

Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores, aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que esperam, acomodados, as coisas cairem do céu. Do mesmo modo, não estão autorizados todos, de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar a voz da emoção, a voz da esperança e deixar a porta aberta para receber a utopia.

Pelo conteúdo dos dois parágrafos anteriores dá para se ter uma noção da grandeza do homem e da nobreza dos sentimentos de Freire. Antes, porém, de falar da sua obra, é preciso, primeiro, entendê-lo enquanto homem, não um homem qualquer, mas um ser humano ímpar, capaz de amar sem pedir nada em troca. “Capaz de ter raiva porque capaz de amar”. É preciso “assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto”. É preciso compreendê-lo simplesmente por ser apaixonado pela vida; por ser capaz de acreditar num ideal e persegui-lo, sem tréguas por 76 anos a fio. Capaz de amar por entender que os homens apesar de toda a irracionalidade, um dia, ainda, podem tornar-se racionais.

Freire foi um homem apaixonado, pelas pessoas que o cercaram e as que não o fizeram, apaixonado pela natureza, pelas paisagens, pelos bichos, enfim, apaixonado pelo “belo”, mas às vezes também pelo “feio”, pois, acreditava que para entender o “belo” é preciso compreender o “feio”. Durante toda sua vida, tentou compreender o homem, procurou estuda-lo sem vaidades, na sua forma simples, na nudez de sua hipocrisia. Ele tentou compreender os homens como “sujeitos inacabados”, pois, não acreditava na verdade absoluta, nos dogmas, nas premonições, nas “bruxarias”, pelo contrário, acreditava no homem enquanto ser em constante formação, em transformação, que poderia ser mudado em cada etapa da vida. Acreditava que “o pau que nasce torto, pode morrer reto”.

Paulo combateu, intensamente, o sectarismo, pois ele castra a criatividade, defende a verdade absoluta, acredita nas coisas acabadas, prontas, definitivas. “O sectário só pode enxergar duas cores: o branco e o preto” é incapaz de perceber o restante das cores que compõem o espectro do arco íris. Com a mesma intensidade que combatia o sectarismo, defendia o radicalismo. Para ele “radical” fugia àquilo que os falsos profetas e charlatães preconizavam: aqueles que não se deixam mudar, que não se deixam convencer, que mesmo equivocados permanecem no erro. Pelo contrário, entendia o radicalismo em toda a extensão da palavra, ou seja, o que vem de raiz, que mantém suas origens, que defendem seu ponto de vista, mas, dispostos a mudar desde que convencidos. Este era Paulo Freire, um homem comprometido com um ideal, com a militância, com a luta transformadora. Comprometido com a vida, porque acreditava no ser humano, na sua capacidade de transformação, de aprendizagem. Acreditava no papel fundamental da educação, enquanto instrumento de transformação social e construção de um outro modelo de sociedade, onde o homem pudesse recuperar sua dignidade.

A obra de Freire tem por base a pedagogia crítico-educativa, tendo como eixo o homem enquanto sujeito inacabado, ela se expressa por uma educação militante, colada aos setores populares e aos marginalizados da sociedade capitalista, uma pedagogia libertadora.

Por seu lado, a prática crítico-educativa proposta pela educação libertadora de Paulo Freire, pode servir de importante instrumento de emancipação do homem diante da opressão, pois, ela aponta no sentido da intervenção prática no ambiente do cotidiano escolar, de forma dinâmica, transformadora, considerando, a todo instante, a realidade concreta, singular e peculiar de cada educando. A proposta de Freire sempre primou por considerar as experiências que cada educando já traz de seu ambiente extra-escola, utilizando-as para estimular uma nova práxis educacional.

Isso, em última instância, contraria o modelo de educação proposto pelos opressores: uma educação sem arestas, que desconsidera as diferenças entre os sujeitos, as desigualdades sociais, as características próprias de cada indivíduo, enfim, afirma supostamente iguais os diferentes.

É preciso múltiplos olhares para entender sua obra: é preciso enxergá-la considerando o movimento interior dos contraditórios, movimento incessante que, por meio do todo constrói as partes, que através da historicidade explica o “caos” que a organiza segundo a lógica dos conflitos e das disputas entre opressores e oprimidos. Desta forma, as contradições emergem para significação da realidade, enquanto palco dos conflitos, contradições, construção de representações significativas da razão de ser da subjetividade humana, dando a ela o conteúdo necessário à construção de sua essência. A realidade emerge, então, como característica das atividades humanas, das relações históricas e sociais do sujeito (re)significando, construindo a razão de ser da humanidade. Aí, os contraditórios do subjetivo humano fluem por toda sua obra, ocupando todos seus interstícios, significando e (re)significando o homem enquanto sujeito em formação.

Um dos principais eixos da educação libertadora proposta por Freire é o combate acirrado à dominação e opressão dos “de baixo”. Esses podem ser entendidos como os excluídos da sociedade capitalista, os “demitidos da vida”, os “esfarrapados do mundo”. Sua obra acredita na intenção de mudança, presente em cada ser humano, na conscientização dos “de baixo” que são, a todo instante, explorados pelos “de cima”. A alfabetização de adultos proposta por ele, procura resgatar a dignidade daqueles que durante toda a vida construíram a riqueza de uma nação, e pelo preconceito, pela fadiga e pelo cansaço não conseguem mais gerar o lucro dos patrões e, por isso são considerados descartáveis.

Sua proposta se distingue pela contundência de sua crítica, pela sua luta inabalável contra a opressão e a dominação. Sua obra sobressai pela trajetória militante em sala de aula, o que o diferencia no apelo em prol de um modelo educacional que negue a escola de imitação das bases dos processos educacionais norte-americanos e europeus, predominantes durante toda a história da educação no Brasil. Sua ação prática junto às comunidades da periferia, aos núcleos de favelas, à terceira idade, o credencia como educador destacodo pela militância concreta, colada à realidade sofrida das populações. Um dos grandes diferenciais da educação proposta por ele, dos outros modelos fundados sob bases teóricas. Através da prática Paulo Freire construiu sua teoria, por meio da ação construiu a esperança, através da militância, espalhou conhecimentos. Esses elementos demonstram a sua contribuição inegável para a educação brasileira.

Contribuição que na maioria das vezes, deixou de merecer o devido reconhecimento de seu próprio país, apesar de reconhecida no restante do mundo. Foi preciso sua morte física (não de suas idéias) para que ela começasse a ser pesquisada no Brasil.

A proposta de Paulo Freire também leva a marca da preocupação com o fator humano. Acima de tudo investiga o homem enquanto humano, portanto de interesse para humanização. Desta forma ele procurava contextualizar o homem nos seus aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais. Isso fazia com que ele enxergasse a educação fora dos muros da sala de aula tradicional, fazia com que ele percebesse o homem enquanto sujeito histórico e transformador dentro do grande ambiente global, onde se edifica a sociedade dos tempos modernos.

Como conclusão, é preciso voltar ao homem, não ao homem isolado, mas ligado à obra que construiu. Diante de sua proposta transformadora, Freire talvez tenha sido o único educador a propor e a pesquisar sobre um modelo educacional, genuinamente, brasileiro. Apesar de percorrer o mundo, ele detestava as fronteiras, as cercas e a opressão. Procurou tirar de suas andanças aquilo que de melhor se adequava ao povo marginalizado do Brasil, ao mesmo tempo em que difundia sua obra pelo mundo afora, derrubando fronteiras e desbravando o analfabetismo. A história da educação brasileira possui a marca contundente, da imitação de modelos educacionais importados dos EUA e, principalmente dos países europeus. Esses modelos estão muito distantes da realidade brasileira.

A obra de Freire sintetiza o pensamento do conjunto de educadores comprometidos com a construção de uma escola que se paute pela realidade sofrida de nosso povo, sintetiza o pensamento daqueles que conseguem enxergar a educação, olhando por cima do muro da própria escola, observando o horizonte nublado que se estende para o infinito. Por fim, Freire e sua obra (criador e criatura) sinalizam a possibilidade real de construção de uma educação realmente transformadora, que seja capaz de colocar o homem a serviço do bem estar da humanidade, que seja capaz de construir uma nova escola, sobre os escombros da irracionalidade do racionalismo que caracteriza a modernidade.

Para concluir, de fato, nada mais justo do que dar a palavra a ele próprio: “Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto” (FREIRE,1997, p.46).

*Valter Machado da Fonseca é Técnico em Mineração, Licenciado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (MG) e Mestrando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia FACED/UFU/CAPES.

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