Quando a religião leva as pessoas à caverna escura e à doença

Platão

Prezada amiga Luciene Santos

Cumprimento-a por seu engajamento na luta ao lado do povo negro e dos mais explorados aí em Salvador. Em julho irei a essa capital mágica e gostaria muito de conhecer a amiga e seu trabalho, tremendamente entusiasmado e entusiasmante.

No sábado, dia 25 de abril de 2015, participei de uma reunião da congregação dos professores da instituição onde leciono. Em certo momento de sua fala a coordenadora da reunião, Profª Maria da Penha Prado Moura, afirmou que é teóloga, também. Outra professora extremamente comprometida com a educação, séria e libertadora, a Profª Nelzeli Moldero, afirmou que é evangélica igualmente.

Ao final aproximei-me das duas para aprofundar a conversa e conhecer melhor seus pensamentos teológicos e suas visões de política educacional. Confirmei que as duas são evangélicas e com excelente formação teológica.

Impressionei-me e encantei-me com o que ouvi. Elas são profundas, comprometidas com o ser humano, críticas quanto à forma doentia e diabólica com que muita gente faz e frequenta igreja, num processo loucamente danoso à vida e à humanidade.

Ontem assisti emocionado pela TV Brasil a entrevista do Teólogo e Filósofo Leonardo Boff. Ao responder pergunta sobre a presença dos evangélicos na luta pela terra e por justiça social no MST o intelectual brasileiro louvou essa atuação que faz com que a fé se coloque no seu verdadeiro lugar, ao lado dos injustiçados, dos pobres e dos que sonham enquanto lutam por uma sociedade mais justa e por um planeta sadio, livre do modelo predatório capitalista.

Sobre a teoria de mercado chamada de “teologia da prosperidade” Boff disse que isso é doença. A religião que fala ao bolso e não coração do povo é doente. É doente, eu diria histérica e traidora, a religião que prega o ódio através do racionalismo fundamentalista. O nosso teólogo disse que hoje “quase todas as religiões estão doentes, doentes de fundamentalismo e aí, o atraso. Porque as pessoas ficam rígidas, excluem, não dialogam”.

“A função principal da religião é dar aquela aura que o ser humano precisa para dar um sentido mais profundo da vida”.

Foi essa aura transcendental que senti em minhas queridas e amáveis colegas na conversa de sábado à tarde, após gostosa e criativa reunião pedagógica (aliás, pedagógica mesmo, diferente de outros lugares onde donos de instituições e coordenadores ameaçam e intimidam os professores).

Contudo, voltando ao que escrevia acima, por ser doente a religião aliena e narcotiza as pessoas. Eu participava de um grupo de bispos no What’s App e me entristeci imensamente com a ignorância e a falta de responsabilidade social de todos eles. Apegam-se ao “reza reza” superficial e preguiçoso na postura de quem largou de lado o evangelho e seu núcleo central, Jesus de Nazaré, o Galileu libertador das prostitutas, dos publicanos, dos zelotes, dos samaritanos e dos lascados de seu tempo. Nada de atualizar o projeto de Jesus. Acham que é correto jogar tudo para o alto e, coniventes com a destruição social, pedir para Deus fazer tudo o que lhe pedem desde que eles não precisem lutar.

Esses também são doentes e infantis. Apequenam o compromisso de fé no campo concreto onde se travam os grandes conflitos em tremenda desvantagem para os pobres, para os negros, para os indígenas, para a juventude e para as mulheres.

Há também os apocalípticos empedernidos que em face das violências, da desestruturação do Estado e das políticas predatórias ecologicamente louvam a Deus na histérica ilusão de que Jesus volta logo nas nuvens. Não reconhecem que quem está nas nuvens são eles.

A postura que defendem é tática usada para intimidar as pessoas com o objetivo de mantê-las cativas nas suas igrejas como máquinas de sustentação financeiro.

As consequências da vulgarmente chamada “teologia do cagaço” redundam em pessoas medrosas sob o olho de um deus carrasco, juiz tenebroso e vingativo, que as jogará no inferno se não forem dóceis a seus pastores, a quem denominam de “ungidos do Senhor”, apesar de seu enorme estoque de traição ao projeto original do cristianismo iniciado com o perseguido Jesus da Galiléia, por sua opção pelos pobres e pela justiça que deve ser buscada em primeiro lugar (Mt 6, 33).

O resultado de crentes intimidados e amesquinhados é sua inclinação para a direita, rumo ideológico apontado pela maioria dos pastores, verdadeiro fundo da caverna onde pouco se vê em virtude da escuridão que encobre a luz da liberdade.

Boff tem razão no seu diagnóstico: a religião é doente quando é fundamentalista porque faz de seus seguidores pessoas sem ouvidos, sem fala, sem olhos e sem gestos. De tão doentes são incapazes de conviver, de ser solidárias, de dialogar e de serem justas. Normalmente são traiçoeiras e covardes. Nunca enfrentam conflitos nem sabem negociar. Não se preocupam com os prejuízos predatórios à vida do próximo quando tramam contra ele. Conheço casos de professores que perderam empregos porque alunos evangélicos, fundamentalistas e obtusos minaram suas bases de relacionamentos com as turmas, graças a articulação com coordenações da mesma estirpe atrasada e perversa. Tais alunos são incapazes de se sentarem com seus mestres e até com colegas para perguntar sobre diferenças de princípios, de opiniões e de visões de mundo. Agem sempre com as pontas de tapetes nas mãos, prontos a puxá-los para ver os desafetos de quem discordam cair e se rebentarem ao solo.

As cinturas e ombros dos fundamentalistas são rígidas como dobradiças enferrujadas, sem mobilidade para entender as pessoas deferentes deles. Não têm nenhum preparo para a audiência que promove a escuta respeitosa e as palavras adequadas, demonstrativas de compreensão e tolerância. São porta vozes de um mundo frio, mecânico, repetitivo e bruto. Incapazes de conversar jogam tudo para o alto, para Deus resolver. Pobre Deus!

O injeçamento da vida e da liberdade é armado a partir das denominações religiosas que pulverizam a sociedade, cujos membros aceitam passivamente os “ensinos” autoritários, preconceituosos e desumanos de seus chefes, que normalmente os exploram com a falácia dos dízimos.

Descrevo o exemplo terrível de intolerância fundamentalista que um pastor americano ensina para sua igreja e influencia a sociedade com suas tolices, encontrando adeptos lá e aqui. Numa pregação desvairada, “o pastor David Berzins, da Igreja Batista Palavra da Verdade, no estado do Arizona, Estados Unidos, criticou todos aqueles que”, segundo a interpretação caolha dele, “se recusam a endossar o chamado de Deus descrito no Velho Testamento para matar os gays.”

“Berzins e o polêmico pastor Steven Anderson argumentam que os cristãos devem seguir o mandamento de Deus, como afirmado em Deuteronômio, que gays precisam ser condenados à morte.”

“Berzins protestou contra um colega pastor batista que se posicionou contra o mandamento velho-testamentário (CIC) de que gays precisam ser apedrejados até a morte e se recusou a apoiar a campanha do pastor Steven Anderson, de extrema direita, para o assassinato de homossexuais” (lê mais aqui).

Outro absurdo, na verdade o ápice da doença e da picaretagem que poderosos grupos religiosos, donos de TVs e de muitas empresas, é dado por bispos da Igreja Universal do Reino de Deus.

“… em mais uma de suas campanhas marqueteiras, absurdas e anti-bíblicas, colocou à venda escrituras de sociedade com Deus. Mediante a oferta depositada, o fiel recebe um contrato que lhe dá direitos sobre o Criador, o qual passa a ser seu sócio, e pode exigir as bênçãos que supostamente lhe correspondem. Para “autenticar” o contrato, 70 pastores da IURD estariam selando o documento com o sangue do cordeiro, e à partir de então o contrato passaria a ter valor legal ante Deus” (CIC).

“O vídeo da divulgação da venda das escrituras foi vazado por um grupo na internet. O programa foi transmitido na internet pelo site da Igreja Universal.

No vídeo o pastor que ali comandava disse que fiéis já estariam comprando a novidade, os chamados “contratos da fé” são escrituras de “terrenos no céu”. Com a compra do papel, o fiel teria direito a um terreno celestial.

As escrituras não tiveram valor estimado ou divulgado no vídeo, mas a compra delas é sucesso entre os fiéis de mais de 70 igrejas da universal.” (Confere aqui).

Por tudo isso me sinto feliz com as minhas amigas e colegas professoras, que mencionei acima. Elas são evangélicas, mas são honestas e sadias. Elas não têm medo da luz. Elas querem Jesus de Nazaré e não um “salvador” de bolsos e respaldado de picaretagens.

Quanto a mim sigo como bispo do povo, na luta com os injustiçados e pobres, seguindo Jesus de Nazaré, porque é isso que leio e aprendo no evangelho.

  • Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
  • Dom Orvandil: editor deste blog, idealizador e presidente da Ibrapaz, ativista da Anistia Internacional, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário.

Um comentário

  1. Realmente, Bispo, as igrejas tem deixado de lado os ensinamentos de Jesus,que se resumem na tolerância e no amor ao próximo, para tentar levar os fieis a caminhos vis, onde impera a ganância e o ódio. Basta uma leitura nos Sermões da Montanha para ver que muitas igrejas estão no caminho oposto do verdadeiro Cristianismo

    Curtido por 1 pessoa

Comente, participe e debata.