Solidariedade a uma mulher negra consciente de sua cidadania

Querida Farmacêutica Mirian França
Tomei conhecimento e acompanhei solidário o drama que enfrentaste e enfrentas em face de acusações mentirosas, racistas e injustas que sofreste por parte de uma delegada de polícia, que por missão e ofício deveria proteger-te da violência. Em carta anterior trato do problema da insegurança que setores policiais impõem ao nosso povo (acessa aqui), que parece-me comprovado com o lamentável caso que te envolveu.
A delegada Patrícia Bezerra baseou-se em provas falsas e indiscutivelmente incompetentes para conceituar que eras culpada pelo assassinato de Gaia Molinari, turista branca italiana, na praia de Jericoacoara, em Fortaleza.
A injustiça certamente explodiu dentro do teu coração e nos dos teus amigos e familiares como uma bomba de poderoso efeito de destruição.
Tua vida ilibada, sem antecedentes criminais e com endereço fixo, configurações da existência de uma cidadã honrada como profissional, estudante e doutoranda do curso de bioquímica numa universidade pública do Rio de Janeiro, logo se viu abalroada e prejudicada pela injustiça arquitetada no ventre de uma delegacia e afirmada enfaticamente pela mídia mistificadora e racista.
És negra, minha querida. Pelo que senti no que li sobre teu caso poderias tomar uma de duas posições em face da injustiça racista: poderias te acomodar, lamentando a vida inteira os gigantescos prejuízos causados pela insânia racista ou enfrentar e lutar de cabeça erguida a recuperação de teus direitos.
Sabes que milhões de negros e de negras brasileiros e brasileiros são pisados e esmagados pelas botinas dos racistas, muitos deles atuantes na polícia. Muitos e muitas desses negros e dessas negras morrem em silêncio, sem solidariedade e sem justiça, sendo enterrados como indigentes sem parentes e sem sociedade.
Outros se entregam às gargantas destruidoras das drogas lícitas e ilícitas. Nas mãos de traficantes desumanos, perversos e egoístas são consumidos como a fumaça que se evapora dos cachimbos das pedras de craque.
Famílias inteiras são abatidas pelo desânimo e pela desagregação que a injustiça e a mentira impõem sobre acusados de crimes que não cometeram, sem que a sociedade se interesse por suas dores.
Não foi esta a postura que assumiste, querida Mirian. Dotada do direito de conhecer e de te educares, rompeste os muros escuros e úmidos do anonimato que cala os injustiçados.
Foste à luta. Como cidadã, reuniste em tuas mãos negras os direitos que solapam a poderosa pedra que esmaga a alma dos injustiçados. Acercaste-te de associações de mulheres negras, feministas, de direitos humanos e as acionaste em tua defesa. Até mesmo o coordenador de teu curso de doutorado moveu-se em tua direção para te defender e depor a teu favor.
Teus advogados impetrarão mandato judicial com pedido de indenização pelo prejuízo dos 16 dias que injustamente ficaste presa e pelos 30 de constrangimento em não poder viajar de Fortaleza para o Rio, onde moras, trabalhas e estudas.
Farás com que o Estado burguês, a serviço da barbárie e da discriminação pague pela injustiça.
Teu exemplo mostra que a dignidade mais bela do ser humano não é a de se vergar choroso sob o tacão da injustiça e do ódio, mas é a de reagir na busca do reforço dos laços de comunhão entre as pessoas que sonham, mas que lutam para, na prática, derrubar os muros e cercas alargando o campo da liberdade e da dignidade humanas.
Obrigado minha irmã negra, mulher e brasileira pelo exemplo de cidadania e de dignidade.
O mundo não é mais o mesmo depois de teu exemplo. Tua luta e bravura alimentam o gigantesco facho de luz dos heróis e das heroínas que tombaram sem nunca se acovardar.
Obrigado Mirian França.
Aplaudo-te de pé!
• Abraços críticos e fraternos na luta pela paz e pela justiça sociais.
• Dom Orvandil, OSF: editor deste blog, idealizador e presidente da Ibrapaz, bispo da diocese Brasil Central e professor universitário.

2 comentários

  1. PELO QUE JÁ VIVI, A INJUSTIÇA JUDICIAL NASCE NA IGNORÂNCIA E CONIVÊNCIA DO POVO: ESSE É O BRASILEIRO, DE UMA FORMA GERAL. RECENTEMENTE, A DW (AGÊNCIA ALEMÃ) EDITOU UM TEXTO, EM QUE DIZIA, QUE O “BRASILEIRO TOLERAVA A CORRUPÇÃO, ENQUANTO ELE PODIA DESFRUTAR UMA VIDA CONSUMISTA”. VEIO A CRISE E, DEU NO QUE ESTAMOS ASSISTINDO. O BRASILEIRO TOLEROU A DITADURA MILITAR, SEUS CRIMES E BANDALHEIRAS, ENQUANTO O CHAMADO “MILAGRE BRASILEIRO” EXISTIU (será que foi milagre, já que uma grande parte dos projetos, eram idéias de CELSO FURTADO?), QUANDO DA CRISE DO PETRÓLEO DE 73, COMEÇAMOS A PENSAR EM DEMOCRACIA, ANTES, APENAS UNS POUCOS E, PERSEGUIDOS. ASSIM VAI SER SEMPRE, A NÃO SER QUE OCORRA, ISSO SIM, UM “MILAGRE NA MENTE” DOS BRASILEIROS E, PASSEM A RESPEITAR ÀS LEIS E O PRÓXIMO, ENFIM, RESPEITAR O SEU PAÍS. NO PERÍODO, PÓS GRANDE GUERRA (1914-18), A FRANÇA VIVEU UM PERÍODO DE PROGRESSO ECONÔMICO, QUE FOI ESTANCADO PELA CRISE DE 29, MAS A ELITE COMBATEU AS “NOVAS IDÉIAS POLÍTICAS” (socialismo) E, COMBATEU DURAMENTE A CLASSE OPERÁRIA, ALÉM DE CORROMPER TODO UM PAÍS PARA NÃO PERDEREM AS REGALIAS (estamos assistindo isso AQUI). FORAM PUNIDOS PELOS ALEMÃES E, DE FORMA DURA, MUITO DURA, COM A OCUPAÇÃO DO PAÍS E, PASSAREM POR EXTREMAS NECESSIDADES. TEVE UMA PARTE DA ELITE BURGUESA QUE ASSOCIOU AOS NAZISTAS, MAS COM A DERROTA DO NAZISMO FOI PUNIDA (a exceção, talvez tenha sido a COCO CHANEL). DEPOIS DA GUERRA, ELES REFORMARAM O ESTADO QUE PASSOU A SER MAIS SOCIAL E, GARANTIR DIREITOS AOS OPERÁRIOS, HUMANIZANDO AS RELAÇÕES TRABALHISTAS E COM UMA “JUSTIÇA MAIS JUSTA”, MAS PARA CHEGAR A ISSO, TIVERAM QUE SOFRER. TALVEZ, SEJA O QUE O BRASILEIRO PRECISA: SOFRER!

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