Dia internacional das mulheres e as armadilhas do romantismo

olga


Querida amiga Educadora Joana Darc Aguiar

Enganei-me quando a conheci. Procurava outra amiga com seu mesmo nome quando a encontrei.

Do engano nasceu a amizade com uma mulher grandiosa, que luta pelo próximo e por postulados de uma sociedade menos e brutalmente injusta.

Conhecê-la na luta por uma economia solidária, predominada pela partilha, pela construção coletiva, foi me deparar com uma figura feminina fantasticamente linda, de beleza que se faz na disposição de transformar esse mundo desigual.

Sentar-me ao seu lado no encontro regional de militantes da economia solidária foi a oportunidade para me inspirar por uma grande mulher.

Obrigado pelo convite para palestrar sobre “a mídia e os movimentos populares”!

Hoje é o seu dia, é dia de vocês mulheres.

Como tudo na vida, os grandes eventos libertários só vencem se fieis ao caudal original de sua criação, sem sucumbirem à borrasca do romantismo enganador. O dia das mulheres não foge disso.

A luta das mulheres nasceu de escaramuças timbradas a fogo pelo martírio violento e pela brutal injustiça praticada pela intolerância e pelo ódio dos patrões de uma fábrica, associados com o judiciário e com o estafe policial manipulados pela classe dominante.

No Dia 8 de março de 1857, mulheres operárias de uma fábrica de tecelagem, da cidade norte americana de Nova Iorque ocuparam a fábrica, fizeram greve em reivindicação por melhores condições de trabalho. A pauta compunha-se da redução na carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.

A manifestação foi reprimida com a fúria própria da classe dominante em delírio. Trancadas no interior da fábrica foram incendiadas. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano.

Foi em homenagem à bravura e consciência de luta daquelas heroínas que morreram na fábrica em 1857 que em 1910, durante uma conferência na Dinamarca, decidiu-se que o 8 de março passaria a ser o “Dia Internacional da Mulher”. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas).

É necessário que se preserve, se pense, se refletia e se resgate o significado que inspirou a criação do “dia internacional da mulher”.

É traição a figuras libertárias e revolucionárias e a eventos intensos de lições quando os embalamos no pacote perfumado e enfeitado do romantismo.

Histórias que projetam luzes sobre a luta, iluminando dialeticamente os caminhos e armadilhas da senda áspera das transformações, mostrando também o caráter e caras dos que oprimem, perseguem, matam e destroem os sonhos de mulheres como as que morreram incendiadas, enfraquecem e se empobrecem quando tratadas romanticamente.

O dia internacional da mulher não tem nenhuma relação com galanteios machistas, com presentes comerciais e burgueses, para encantar as mulheres.

Confundir esse dia com homenagens eivadas de vícios machistas como o destaque aos maravilhosos – são mesmo maravilhosos, sem dúvidas – predicados femininos é somar-se ao sepultamento da luta contra as injustiças salariais, contra a pesada carga e horário de trabalho, a dupla ou tripla jornada, os maus tratos nas relações e a disposição de lutas das mulheres da fábrica de tecidos.

Quando os homens se aproveitam desse dia para tentar seduzir mulheres com presentes, com jantares, com noites de sexo e com palavras sem conexão com a realidade, e elas aceitam, traem as heroínas incendiadas pelo ódio de classe. Portanto, traem a filosofia do dia internacional da mulher.

O romantismo é um poderoso atentado à luta por um outro mundo possível.

Assim fizeram com Maria Nazarena, mulher pobre e brutalmente massacrada pelo império romano associado com setores conservadores do judaísmo entreguista, hoje sionista e nazista.

Do rosto da mulher perseguida e ameaçada permanente de extermínio fizeram uma mulher adocicada, de cara de mulher branca e colonizadora europeia. Da Maria pobre e símbolo de libertação fizeram uma idolatria para açucarar a bravura libertária das mulheres.

Assim o romantismo armadilhesco fez com Jesus de Nazaré. Do libertário e salvador revolucionário o fizeram um ídolo para justificar invasões dos povos e massacrar os sonhos de todos por um mundo onde reinasse a justiça como valor bom e agradável.

Do Jesus que optou pelos caminhos espinhosos da cruz à sedução traiçoeira do poder opressor o romantismo o reduziu a uma figura caricata, milagreira e chefe de gangues que enriqueceram e enriquecem em nome da religião, golpeando o imaginário ingênuo do povo.

Esse Jesus picareta, que gosta de almoçar e de jantar com corruptos, estupradores, pedófilos e pulhas, que perseguem os pobres enquanto fazem o sinal da cruz, é criatura urdida pelo romantismo escravocrata, feudal, comercial e burguês.

Esse Jesus e essa Maria são amados por pastores e clérigos do estilo de dom Darci José Nicioli, sobre quem escrevi e critiquei aqui.

Homenageio-a, minha amiga Joana, como homenageio a todas as mulheres que se benzem com as cinzas, com o suor e com o sangue das mártires de Nova Iorque.

Minha homenagem se dirige às mulheres que não se vergam às ilusões do romantismo machista, tanto de homens que não crescem como de mulheres que traem ao se submeter aos cantos de sereias, entoados em prosas, em versos e sob a musicalidade que disfarça a manipulação machista capitalista.

Creia-me, amiga Joana, em meu coração tenho memorizada uma multidão de mulheres como as incendiadas pelo ódio intolerante em 1857.

Todas me inspiram a não me vergar nem a não me acovardar. Todas gritam para que não me deixe envelhecer nem idiotizar.

Seus rostos divinizados libertariamente pela luta fiel aos sonhos de um mundo mais justo me olham enquanto gritam para não parar, para não me iludir com o romantismo e para não perder a consciência.

Molho o teclado com minhas lágrimas de emoção e gratidão por você e por elas.

Viva as mulheres que lutam como as que originaram o dia internacional da mulher!

• Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
• Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém.

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